Fonte Marília de Dirceu
Pediram-me para escrever sobre Ouro Preto, cidade declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, pequena jóia barroca encravada no Itacolomi, berço de grandes heróis e artistas, orgulho e raíz mais profunda das Minas e dos aqui nasceram.
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Não tenho esta competência. Não porque não a conheça. Apesar de não visitá-la por mais de um quarto de século, conheço-a bem; suas ladeiras, seu frio cortante, seus indescritivelmente belos casario e igrejas. Quando criança e jovem, fui muitas vezes à antiga Villa Rica. Das festas de aniversários de familiares (que costumavam durar uma semana), das festas religiosas anuais, dos festivais de inverno; recordo-me bem.
Naquele tempo, ao longo da década de 70, a cidade vivia sua mais profunda decadência; o que só não ocorreu de maneira definitiva, porque a sociedade mineira exigiu e conseguiu restaurá-la e preservá-la, não sem muita luta. Hoje é uma cidade turística, na melhor acepção da palavra, com a oferta de equipamentos e atrações (inclusive de turismo cultural) que não ficam nada a dever à cidades similares no resto do mundo (informações aqui, aqui e aqui).
Mas não sou capaz de, em um ou vários posts, descrever toda a sua importância histórica e cultural. Ouro Preto não é propriamente uma cidade, mas um portal aberto para o passado, que também não é um passado qualquer: a política, a engenharia, a arquitetura, a música, a literatura e as artes plásticas mineiras e brasileiras; todas elas, beberam - e muito - naquelas fontes.
Além deste, pretendo escrever mais um ou dois posts, restringindo-me, porém, a dois aspectos que considero relevantes do ponto de vista pessoal: seus poetas e suas lendas. Não são poucos, em ambas as vertentes. Muitos foram os poetas que nasceram, viveram ou simplesmente escreveram sobre a cidade. E a coleção de fantasmas, lendas e mitos é outro capítulo à parte. Sua fama fantasmagórica, ampliada pelos cenários que ali se descortinam, vem desde, pelo menos, a Conjuração Mineira: ainda hoje há quem sustente que o fantasma de Cláudio Manuel da Costa percorre os salões da Casa dos Contos, antiga cadeia tranformada, atualmente, em museu.
Casa de Cláudio Manoel da Costa, onde se reuniam os poetas inconfidentes
Segue, abaixo, o poema que Olavo Bilac (o chamado "Príncipe dos Poetas Brasileiros"; um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras; autor , entre outros, de "Profissão de Fé" e "Via-Láctea" e que escondeu-se em Ouro Preto durante perseguição política que sofrera no início da República) , dedicou à cidade:
Segue, abaixo, o poema que Olavo Bilac (o chamado "Príncipe dos Poetas Brasileiros"; um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras; autor , entre outros, de "Profissão de Fé" e "Via-Láctea" e que escondeu-se em Ouro Preto durante perseguição política que sofrera no início da República) , dedicou à cidade:
VILA RICA
O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;/Sangram, em laivos de ouro, as minas, que a ambição/Na torturada entranha abriu da terra nobre/E cada cicatriz brilha como um brasão.
O ângelus plange ao longe em doloroso dobre./O último ouro do sol morre na cerração./E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,/O crepúsculo cai como uma extrema-unção.
Agora, para além do cerro, o céu parece/Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu.../A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,
Como uma procissão espectral que se move.../Dobra o sino... Soluça um verso de Dirceu.../Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.
Tomás Antônio Gonzaga
Já o causo de fantasma, vem das minhas memórias de infância em Ouro Preto. A casa que frequentava, como tantas outras na cidade, era um sobrado de dois andares. Dois para cima, diga-se. Porque abaixo do nível da rua (uma daquelas enormes pirambeiras em curva), havia outros 3 níveis, no passado destinados, provavelmente, a escravos ou depósitos. E o mais interessante eram as paredes internas da casa: duplas, formando um labirinto extraordinário para as brincadeiras infantis ou para assustar os mais incautos. Era possível, por exemplo, "entrar" por uma parede de uma das salas no térreo e sair num dos quartos do segundo andar.
Não sei se com o intuito de evitar que as crianças abusassem desse artifício, mas lembro-me que os adultos nos contavam uma estória de uma antiga moradora da casa. Consta que seria muito bonita e tivera um desencanto amoroso ainda bem jovem. Consternada, passava as tardes debruçada sobre o peitoril da janela do seu quarto, na companhia apenas de uma flor, que ora não me recordo a espécie. Vindo a falecer pouco tempo depois da desilusão, contavam-nos que era comum, ao se abrir a janela do tal quarto, exalar-se um forte perfume da flor preferida da donzela...
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ATUALIZAÇÃO (30/11/08 às 1:10 hs.)
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Beth, a moça da Barca, da Vela e do Mar, a quem dediquei esse postinho, retribuiu com um texto delicioso e mais um dos seus belos desenhos. Vejam aqui.
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ATUALIZAÇÃO (30/11/08 às 16:30 hs.)
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E por falar em rosa na janela, tinha resolvido terminar o postinho com a linda "Modinha", de Sérgio Bittencourt (filho do grande Jacó do Bandolim), na bela voz de Taiguara. Mas só achei um clipe muito mequetrefe no (chat)YouTube...
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Assim, decidi estrear meus talentos de videomaker. Ficou bem ruinzinho também, mas acabei encontrando umas belas imagens de Ouro Preto... [todas as imagens foram devidamente surrupiadas da web. Se alguém se sentir prejudicado é só me avisar que retiro a correspondente. Ou então me processe... rsss].